O post com os apelidos dos carros rendeu comentários muito legais. Uns me gozaram, outros relembraram os apelidos dos seus carros (ou então dos carros dos pais...) e quase choraram de saudade, outros prestaram reverência aos seus carrinhos velhos-de-guerra. Outros chegaram à conclusão de que não ligam mesmo pra carro e que nem sabem diferenciar marcas e modelos. Enfim, cada um tem seu gosto, mas no fim das contas acho que posso dizer que todo mundo deve ter tido pelo menos uma passagem da vida onde o carro ficou marcado na memória. Apesar disso ter fundamento não vou entrar nesse mérito.
A Ipiranga diz que é apaixonada por carro como todo brasileiro, e faz comerciais com grande carga de emoção. Com isso ela ajudou a criar um círculo virtuoso em torno da relação emoção x carros. Acabamos gostando de carro porque ele nos lembra de momentos emocionantes da vida, e muitos dos momentos emocionantes da vida acontecem com o carro como coadjuvante.Tirando essa parte, digamos, mais... mais... ah, mais gay da história, acho que no Brasil as pessoas acabam gostando muito de seus carros por conta da dificuldade em comprá-los, e mantê-los, claro. É natural. Afinal, como não ter carinho por um bem durável (ou não tão durável, porque tem uns que desmancham sem bater, igual ao Leite Glória, hehe) que muitas vezes custa quase o preço de um imóvel? Para a maioria das pessoas, é muito difícil conseguir comprar um popular (popular custando mais de 25 mil?), então é natural que a pessoa cuide muito dele, faça carinho, cubra quando está frio. Para os mais abastados, vale a mesma coisa, só que o carrinho custou 50, 70, 100, 200 mil.
Bater com o carro? É mais doloroso que ficar doente, que ver a seleção perder, que enterrar o cachorro no quintal, que levar um pé na bunda. Você agüenta tudo, menos ter que olhar pro carrinho querido do coração e vê-lo lá indefeso, com a lataria ainda retorcida, e ainda ter que ouvir a moça da seguradora dizendo que não autoriza o conserto antes que você pague a franquia. Que moça insensível pra falar em dinheiro enquanto seu carrinho agoniza! Nem adianta explicar que sua mulher não teve culpa, que ela não viu a árvore atravessar a rua correndo atrás do carro.
E olha que coisa interessante. O cidadão nem liga de proteger o próprio corpo, mas o carro tem que estar protegido pelos anjos, ou ourixás, ou seja lá o que for. Quase não se vê por aí as pessoas andando com amuletos-da-sorte pendurados no pescoço. E nos carros? É só você olhar pro espelho retrovisor que estará lá, balançando suavemente, um crucifixo benzido numa missa em Aparecida do Norte, ou fitinhas do Nosso Senhor do Bonfim, uma figa de madeira, um saquinho com areia da Terra Prometida, ou um tufo de cabelo de Buda antes dele ficar careca.Eu mesmo não posso negar que ando (ou melhor, o carro anda) protegido por amuletos. E como sou um cara prevenido, tenho logo três pendurados. Dois deles são comuns (um crucifixo benzido em Aparecida e fitinhas de Bonfim compradas no camelô), e eu mesmo sapequei lá no espelho retrovisor. O terceiro, por sua vez, me foi dado junto com o carro, pelo meu avô. Trata-se de uma medalhinha que acompanhou seus carros desde seus tempos na América. Nah, nada a ver com novela não. É que antigamente todo mundo chamava os Estados Unidos simplesmente de América, como se o Brasil também não estivesse nela.
Enfim, geografia à parte, sempre que ele trocava de carro, a medalhinha era transferida de um para o outro. Só que como aquele seria seu último carro, ele a manteve no lugar. Quando entrei nesse carro pela primeira vez para ocupar o assento do motorista e me deparei com a medalhinha lá, espetada no tecido que reveste a coluna à esquerda, fiquei encantado com a delicadeza da imagem em alto-relevo e com a importância da sua presença ali. Ao redor da figura, pude ler o nome da Santa em inglês: Nossa Senhora do Bom Caminho. Fiquei alguns minutos pensando que nos últimos 50 anos a santinha protegeu os carros e guiou os caminhos do meu avô. De olhos fechados, fiz um agradecimento silencioso e girei a chave no contato.
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