13 de julho de 2007

Direto do "Garotas que Dizem Ni"

Woman is the nigger of the world

“Os escribas e fariseus trouxeram à sua presença uma mulher surpreendida em adultério e, fazendo-a ficar de pé no meio de todos, disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. E na lei vos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas (...). Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo. Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele dentre vós que estiver sem pecado, seja o primeiro que lhe atire pedra. E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão. (...) Erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém mais além da mulher, perguntou-lhe: Mulher, onde estão teus acusadores? Ninguém te condenou?”


João 8:1-10

Tudo começou com Eva, que além de ter sido criada a partir de uma mera costela, já levou a culpa da expulsão do Paraíso. (Quinho me explicou que esse lance da costela é culpa de uma tradução errada: no original, os textos dizem que Deus criou um ser único, completo, e o dividiu em dois – ou seja, boa parte da tradição cristã ocidental que põe a mulher num segundo plano é culpa de um maldito tradutor desajeitado). De qualquer forma, nós, mulheres, estamos mal na fita ao longo de toda a história.

Miremo-nos no exemplo daquelas mulheres de Atenas. Eram submissas, mártires, parideiras e especialistas em agüentar caladas, conforme nos canta Chico Buarque. Viveram na sociedade que criou a bela democracia, uma teoria legal que revolucionou a organização dos governos. No entanto, a democracia grega excluía as mulheres, entre outros párias sociais.

Aí a gente pensa que isso é coisa de um passado remoto, lá no século 8 a.C., mas as mulheres só puderam votar aqui no Brasil a partir de 1932 – pleno século 20 d.C. Levou 2.800 anos para ficar entendido que também temos escolha.

Fomos trocadas por dotes por um tempão. Na Idade Média, casamentos eram arranjados levando-se em consideração o que a família da noiva podia oferecer para a família do noivo. Aí a gente pensa que isso é coisa de um passado remoto. Mas na Índia, em 2007, 98% dos casamentos foram arranjados.

Ok, temos uma tradição cultural envolvida e há que ser respeitoso com essas coisas. Até porque as mulheres de outras tradições que não a cristã-ocidental-urbana devem achar um verdadeiro horror aquele monte de capas de revista com mulheres peladas na banca de jornais. Porém, as meninas indianas são casadas pelos pais muito jovens, às vezes aos cinco anos de idade, e aos dez ou onze estão dando à luz seu primeiro filho. Vivem anêmicas, analfabetas e morrem cedo. Em pleno século 21.

Os vikings enterravam as concubinas dos guerreiros mortos junto com eles, mesmo que elas estivessem vivas, gordas e coradas. Algumas sociedades antigas condenavam as mulheres ao apedrejamento quando estas incorriam no crime e pecado do adultério. Aí a gente pensa que isso é coisa de um passado remoto. Mas em maio de 2001, há meros seis anos, uma mulher foi executada por apedrejamento no Irã por “corrupção na Terra”. Ela havia feito um filme pornô. Casos têm pipocado, desde então, no próprio Irã e na Nigéria.

Nós, ocidentais, achamos esse tipo de totalitarismo um horror. Mas estamos sob outra ditadura, mais silenciosa e sutil que aquela imposta à base da burka: aprendemos desde cedo que devemos nos maquiar, ser magras, ter cabelos impecáveis e bundas durinhas. Nada contra perseguir estes objetivos, mas veja bem porque você está indo nessa. Somos bombardeadas por imagens de moças magras e lindas – e há pouco tempo a onda de casos de anorexia e bulimia viraram manchete, pelas mesmas revistas que costumam estampar modelos do sucesso que devemos atingir em suas capas.

Eu sou uma mulher de 29 anos. Me dizem as estatísticas que o maior risco de vida que corro não é ser assaltada na rua e reagir, ou bater meu carro numa estrada de alta velocidade, mas sim ser espancada pelo meu próprio namorado – a violência doméstica é a principal causa de morte de mulheres entre 14 e 44 anos no mundo todo. Metade dos assassinatos de mulheres no Brasil são cometidos por seus parceiros. A cada 15 segundos, uma mulher é espancada em nosso país.

Aí a gente imagina que isso só acontece nas favelas, nas ruas, nos cortiços, entre a gente iletrada e pouco esclarecida. Mas se a biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia pensava isso também, deve ter mudado de idéia em 1983, quando seu marido, o professor universitário Marco Antonio Herredia, tentou matá-la duas vezes. Primeiro com um tiro nas costas, que a deixou paraplégica; depois, eletrocutando-a.

Sabe quando ele foi preso? Só em outubro de 2002. Cumpriu dois anos e foi liberado. Mas Maria da Penha, que nunca desistiu da peleja judicial para condená-lo – peleja esta pela qual uma mulher que levou um tiro nas costas nem devia passar – agora batiza a lei que facilita a denúncia, acelera os processos e protege as mulheres vítimas de agressão.

John Lennon sabia do que estava falando quando compôs a música que deu título a este texto: “We make her paint her face and dance/ If she won’t be slave, we say that she don’t love us/ If she’s real, we say she’s trying to be a man/ While putting her down we pretend that she is above us” (“Nós a fazemos pintar o rosto e dançar/ Se ela não for nossa escrava, dizemos que ela não nos ama/ Se ela tenta ser autêntica, dizemos que está tentando ser um homem/ Fingimos que ela está sobre nós enquanto a colocamos para baixo”).

Sabia tão bem que deixo para ele também a finalização: “Woman is the nigger of the world...yes she is/ If you don’t believe me take a look at the one you’re with/ Woman is the slaves of the slaves/ If you believe me, you better scream about it”.

Se você também acredita, grite.

Clara McFly às 10:47 AM de 13/07/2007

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