21 de novembro de 2008

Cotas para Alunos de Escolas Públicas

Notícia de hoje da Folha Online, “A Câmara aprovou nesta quinta-feira um projeto de lei que estabelece o sistema de cotas raciais e sociais nas universidades públicas federais e escolas técnicas de ensino médio. O projeto determina que 50% das vagas nessas instituições de ensino serão destinadas aos alunos que estudaram em escolas públicas no ensino médio”. Essa idéia de cotas para alunos da rede pública nas universidades já é antiga e surgiu lá em 2004 no próprio Governo Federal. Ainda segundo a Folha, “o texto segue para nova votação no Senado, uma vez que sofreu modificações na Câmara. Os deputados incluíram a questão da renda de 1,5 salário mínimo, o que modificou o texto dos senadores”.

Nessa discussão acredito que meu depoimento seja pertinente. Fui aluna da rede pública durante quase toda a minha vida. Estudei em uma escola particular apenas na terceira e quarta séries do antigo primeiro grau (hoje ensino fundamental), cursando o restante das séries e todo o ensino médio (antigo segundo grau) em escolas públicas, na cidade de Teresópolis/RJ. Acredito que durante o ensino fundamental tive muita sorte, pois estudei em uma escola que tinha um excelente nível educacional. Já durante o ensino médio enfrentei longos períodos de greve e muitos outros problemas típicos de escolas públicas, como falta de mesas e cadeiras e falta recorrente de professores em diversas disciplinas.

Acontece que na minha época não se falava em cotas e, por ser de família com poucas posses, a minha única alternativa de cursar o ensino superior era conseguir entrar para uma Universidade pública. E esse era o meu maior sonho e transformei esse objetivo em uma obsessão pessoal. Estudei muito, sozinha e com amigas, para suprir a falta de aulas. Hoje, a recordação que tenho dessa época da minha vida é de esforçar-me ao máximo todos os dias. Não acho que esse seja o cenário ideal para um jovem estudar e imagino que a situação atualmente seja muito pior do que quando estava estudando, em termos de qualidade de ensino.

Depois de muito sofrimento, ainda no ano em que concluí o ensino médio, prestei vestibular apenas para Universidades públicas de renome do estado do Rio de Janeiro (UFRJ, UFSC, UERJ, UFF) e não consegui entrar. Foi por pouco, mas não deu. Não desisti! Aquela era minha meta de vida. Mais do que isso, eu queria cursar Engenharia Mecânica na UFRJ de todo jeito. Passei mais um ano estudando, agora com a ajuda de um Tio que pagou as mensalidades de um curso pré-vestibular (dos mais baratos e mais fracos). Cabe dizer aqui que levei esse de forma mais tranqüila, estudando muito pouco e me concentrando apenas nas deficiências que tinha observado nas primeiras provas que fiz. No final do ano prestei novamente os vestibulares para as públicas (UFRJ, UERJ, UFF e CEFET) e, ao contrário do ano anterior, tive sucesso. Acredito que nesse caso contou muito mais o descanso mental e a maturidade para fazer uma prova melhor. Passei para as quatro Universidades públicas que ficam no Estado do Rio de Janeiro, inclusive a sonhada UFRJ. Nunca na minha vida tinha me sentido tão recompensada por um esforço. Foi a minha maior conquista até aquele momento, e acredito que está entre as mais importantes até hoje. Agora eu conto esta história na distância de 13 anos e ela me parece até um pouco romântica, mas é só eu lembrar quantas lágrimas derramei para que o romantismo desapareça imediatamente.

Nos primeiros dias de aula na UFRJ eu acreditava que a etapa mais difícil da minha educação tinha passado. Pensei: “agora eu estou dentro”. Como eu estava enganada! Escolhi um curso dentre os mais difíceis. Terminá-lo com boas notas e dentro do prazo normal me custou muitas outras lágrimas e muito, mas muito esforço. Foi preciso superar muitas outras dificuldades na minha formação básica para conseguir acompanhar as disciplinas. Consegui novamente! Com ajuda da minha família e com a ajuda daquele do melhor amigo que eu poderia ter encontrado na minha vida, meu marido.

Se você teve a paciência de ler tudo que escrevi aí em cima deve estar acreditando que sou favorável ao projeto de lei em discussão. Mas não sou! Na verdade, sou radicalmente CONTRA! Eu vivi a realidade da escola pública e sofri para conseguir a formação que tenho hoje e não acredito que tenha que ser tão sofrido para um jovem conquistar o direito de ter uma formação superior. Concordo que é preciso que os estudantes da rede pública tenham acesso ao ensino superior porque é desse jeito que a desigualdade social do Brasil vai diminuir. Apenas não concordo que o sistema de cotas seja solução. Solução é melhorar a qualidade das escolas públicas para que os alunos sejam capazes de prestar um vestibular de alto nível e consigam passar. Desculpem-me aqueles que acreditam que eu possa estar sendo politicamente incorreta, mas colocar alunos mal preparados em cursos de alto nível só pode resultar em duas coisas: ou o curso diminui seu padrão para que os alunos consigam se formar, ou os alunos não vão conseguir concluir o curso e abandonarão o mesmo. Em minha opinião, nenhuma das opções é aceitável.

Não sei o que podemos fazer para impedir que esta idéia insensata se torne realidade. Elegemos nossos representantes e eles estão procurando resolver os problemas do Brasil da forma mais fácil, mas protestar sempre é uma ferramenta. Então meus amigos, protestemos!

2 comentários:

  1. Anônimo11:09 AM

    Nossa que incrível, eu fico tão feliz de ver um relato assim..

    Meu sonho é poder contar uma história dessas um dia, mas pra isso eu tenho de me esforçar 100 vezes mais e como isso é difícil. Eu, sinceramente, já não sei mais o que achar das cotas.. não sei mesmo.. pra mim pareceu algo bom, já que realizaria um sonho, mas de que vale um sonho realizado injustamente e sem merecimento? Já não sei mais.

    Felicidades, muitas, muitas, muitas, pra você e pro seu marido.. fico imaginando a história de vocês.. deve ter sido incrível.

    Monique Reis

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  2. Glaucia8:43 PM

    Concordo plenamente! Sistema de cotas é uma das coisas mais insensatas e absurdas que já inventaram! Discriminação pura! Eu estudei o primário em escola pública e o restante em escola particular que era de péssima qualidade, mas era a que meus pais tinham condições de pagar. Em meu primeiro vestibular passei para uma faculdade particular depois de 1 ano inteiro de curso pré-vestibular, onde aprendí coisas que nunca tinha aprendido na escola! Pedí para meu pai pagar mais um ano de pré-vestibular e passei para 3 Universidades públicas!!! O problema de ensino não é só em escola pública!!! Tem muita escola particular que não presta e só nos damos conta disso quando fazemos vestibular.

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